domingo, 29 de novembro de 2009

Viodência

Em um futuro no qual você viverá, se não morrer precocemente, não há contato pessoal. Cada um vive sozinho, dentro de seus apartamentos-fortalezas. O simples fato de botar um pé fora de casa já é um semi-suicídio. Ladrões, estupradores e psicopatas espreitarão sua porta.

É que, nesse amanhã cada vez mais presente, a ausência de segurança é corriqueira e a segurança, passado. Ninguém se escandaliza. Todos se defendem... Do jeito que dá.

Grades, cadeados, cachorros, câmeras de vigilância. Revólveres, pistolas, metralhadoras. Cercas elétricas, muros, vigias, alarmes. Coletes a prova de balas, capacetes reforçados, máscara contra gases...

Essa última com serventia dupla. Anula o poder das granadas de fumaça (jogadas por criminosos perto das portas para obrigar os moradores a saírem de suas casas) e protege contra os gases tóxicos lançados por indústrias e veículos.

Os veículos do futuro não são carros de passeio. São carros-fortes. Sempre que há necessidade de adquirir um produto que não possa vir através de download ou acesso digital, as pessoas ligam para o tele-entrega. A encomenda sai do supermercado sob forte escolta (sempre há o risco de alimentos e produtos de higiene ser roubados por maltrapilhos excluídos e esfomeados).

As empresas de segurança particular lucram muito. A proteção-dever-do-Estado, há muito desacreditado, morreu de bala perdida.

O homem do futuro olhará a rua através de sua janela blindada e só verá a negra fumaça da poluição.

Não sendo seguro sair de seus lares-fortalezas, as pessoas passarão a se encontrar apenas no mundo virtual. Sozinho dentro de seus apartamentos de segurança máxima, cada um conversa com os amigos, estuda, pratica esporte e faz sexo utilizando a tela do computador como passaporte para a liberdade de um mundo relativamente seguro. Corre-se, porém, o risco de ser roubado por hackers.

sábado, 21 de novembro de 2009

ASA BRANCA – A POESIA

Na relva já escassa, do chão de terra seca

Eis que surge a brasa num'alma sertaneja

Pé alquebrado, abandona e não pestaneja

Já é hora—eis longo caminho. Esbraveja

Grita ao seu bem-te-vi de verdes olhos

Que um dia voltará, junto à chuva

Quando a terra, ora agreste, reavivar

Como se recebesse sopro de vida

As matizes do olhar de sua querida

Toca-lhe as lágrimas, beija-lhe o chorar

Preme contra o peito a fronte amada

Toca-lhe o rosto tantas vezes tocado

Beija-lhe a boca tantas vezes beijada

Dá carinho, dá afago, outro beijo, outro abraço

Não posso mais ficar, meu sabiá

Tenho que nos sustentar, tenho que arrumar o pão

Tenho que achar o grão para alimentar o chão

Para semear o amor, para brotar a paixão

Beija-a pela última vez, abraça derradeiramente

Dá as costas, sofre e sente. O peito latejante

Sai em busca duma chance o caminhante

Sai sem ter deixado de ficar

Sai no rastro de sorte distante

Lá vai o sertanejo a divagar

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Por que choras, meu anjo?

Por que choras?
Tua alma sofre com um barquinho em meio à tormenta em alto-mar?
Ora, ora, ora ao Capitão desse navio

Por que te escondes?
Tua alma foge por quê? Não és um clandestino nessa viagem!
Reza, reza, reza ao Comandante desse avião

Por que te entristeces?
Tua estrada, que ora atravessa o degredo, chegará certamente ao teu destino: a Felicidade
Tenha certeza, com doçura e carinho Paternos, Ele será teu farol

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Os não-óbvios e as crianças

"Desde
os
primórdios

até hoje em dia, o homem ainda faz o que o macaco fazia"


 

    Sacada não-óbvia essa dos Titãs na música "Homem primata". Realmente... Seriam as sociedades humanas "selvas de concreto"? Em cada relva de asfalto parece haver leões famintos, prestes a abater em emboscada suas presas. São esses felinos apenas delinquentes a assaltar suas vítimas paradas no sinal vermelho. Por outro lado, existem ainda feras que roubam do próximo mesmo sem carecer de alimentos. São bravios da ostentação, do exagero. A natureza dá aos homens todo o necessário para sobreviver, a tecnologia, ainda mais comodidade e recursos às suas vidas. Mesmo assim os Ovirapitors da ganância têm prazer, e vício, em roubar. Não que precisem. Apesar da controvérsia sobre o "dino ladrão de ovos", uma coisa é indiscutível: nós, os selvagens humanos, somos pouco originais. Muitos de nós trabalhamos exaustivamente para poder comprar comida, assim como as bestas (não-humanas) se esforçam para morder a caça. Esses hercúleos profissionais pouco tempo possuem para aproveitar a vida. O belo, a arte, a delicadeza, a erudição, a elegância e o amor suspiram solitários nas metrópoles sempre atrasadas para a reunião do escritório. Enquanto isso, os Oviraptors, que tem tempo de sobra, esbanjam sua futilidade com asas de gaivota (de seu décimo carro de luxo).

    Os não-óbvios assistem a tudo isso. Eles também vivem em meio a esse caos, mas observam tudo com a visão dos anjos, como se, acima das nuvens, flutuassem. Sem "asas de gaivota", claro. Percebem o que o mundo poderia ser, mas (ainda) não é. Eles veem os litros de felicidade desperdiçados nas cidades (e no campo). Sentem-se deslocados, mas nem por isso dão suspiros tristes. O não-óbivo é, isso sim, um adulto em meio a crianças barulhentas, agressivas e malcriadas. Isso não o irrita. Antes, tenta dar os melhores conselhos a elas, medica os infantes enfermos, trata a todos, dos pequenos mais bem comportados aos mais sapecas, com o carinho e caridade de que necessitam para crescer. Na medida em que os jovens amadurecem, o não-óbvio lhes ensina a apreciar o bom, o belo, a arte, a delicadeza, a erudição, a elegância... E mesmo os menores desde muito cedo podem aprender isso, pois o professor deles costuma ser a própria encarnação (embora imperfeita) daqueles valores. Imperfeita porque sabe que ainda há muito a aprender... Sabe que ele também é criança em comparação a espíritos mais solares. Tem consciência de que quando Jesus disse "Deixai vir (a mim) as criancinhas", Cristo também se referia a ele.


 

    

domingo, 4 de outubro de 2009

De perto

--De perto...
... Todo mundo é igual:
...Ninguém é certo...
...Ninguém é normal!

--Sério?
--Não...

domingo, 20 de setembro de 2009

Sob Fogo

Eu estava prestes a ser queimado vivo em praça pública. Rodeado por uma multidão que praguejava contra mim e ansiava por minha morte, não havia o que fazer. Não podia mais fugir da sentença de morte a qual me condenaram. Minha angústia, porém, não era imaginar que em poucos segundos meu corpo seria corroído pelas chamas, ou que eu perderia a vida. O que mais me amargurava era imaginar que minha morte poderia ser em vão. "Será que um dia as pessoas vão descobrir que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas justamente o oposto?", pensava eu.

Eu era um cientista que, através de cálculos, descobri a dinâmica existente entre nosso planeta e sua estrela. Acontece que tal concepção contrariava o entendimento religioso da época, predominante no país em que nasci. Tenho de explicar: a religião de meu povo naquela época estava bastante maculada por espúrios interesses políticos. A boa fé das pessoas era deturpada por gananciosos líderes, que viam na religião uma forma de alcançar o poder político.

Só havia então um conjunto de atitudes que agradava Deus. Da mesma maneira, o Pai e o Universo só poderiam ser compreendidos de uma determinada forma. Quem tivesse um entendimento diferente da natureza do Mundo e de seu Criador estaria blasfemando. Era essa a justificativa utilizada por algumas pessoas influentes dentro da sociedade para perseguir e silenciar aqueles que desafiavam suas ordens. Perigosas são as idéias que não admitem um ponto de vista contrário, elas se condenam ao fanatismo e ao mau uso dentro da política e da sociedade.

Como tantos outros na história do mundo, fui humilhado e morto por não concordar com leis e hipóteses vistas como "certas" pela maioria das pessoas. Se, de fato, não conseguiria mais fugir da pena capital, se seria inútil chorar (já que minhas lágrimas não diminuiriam minha condenação), o que me restava a fazer? Restava-me sorrir. Minha mente curiosa de cientista estava tão entusiasmada com a idéia da morte quanto uma criança fica ao entrar em um parque de diversões. Finalmente resolveria o maior mistério do mundo: o que ocorre após a vida?

No entanto, em poucos segundos, as chamas ardiam sobre minha pele. Eu sentia o calor do fogo e do ódio da multidão, que se alegrava com meus gemidos de dor. A sensação de ser queimado vivo na frente de tanta gente desejosa de minha morte me sufocava. O medo mórbido de ser visto por tanta gente me queimava o peito como se fosse a própria chama. Lágrimas desciam por minha face.

De repente veio a escuridão, o silêncio, o "destato" (não mais sentia a dor). Fui enlevado por um sentimento de alívio e de paz. E, como a Fênix, minha alma brotou das cinzas e subiu ao céu.


 

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Da Sagacidade

A característica mais importante das ciências é sua autocrítica. Para ela não há dogmas. Todo o conhecimento pode ser questionado, debatido, refutado ou confirmado. Existe liberdade para divergências. E é justamente por este fato que ela obteve tanto sucesso como ferramenta de estudo e compreensão do mundo.

A fé é importante, mas ela deve ser confirmada pela razão, o conhecimento. Assim como ocorre com as ciências, a crença deve abrir espaço para argumentos discordantes. A fé não se pode fechar em si mesma. Claro que ela não pode deixar de acreditar em si própria totalmente (caso contrário deixaria de existir), mas deve ser cética consigo mesma. Caso contrário estará se condenando ao fanatismo.

É sempre necessário reservar certa porção de descrença sobre o próprio pensamento. Tal atitude não denota insegurança, apenas atesta que a consciência do indivíduo é aguçada. As certezas absolutas são, talvez, as maiores assassinas da História.

Não deixa de ser um método de convencimento aquele utilizado em dissertações, no qual demonstrações de incerteza ("talvez", "possivelmente", "eu acho") são excluídas do texto. A persuasão preconiza o uso de verve semelhante à de quem não tem dúvida acerca do fato sobre o qual argui. Mas tal confiança inabalável sobre as próprias idéias deve ser reservada apenas à retórica. Ao duvidar do próprio pensamento, ao questionar as próprias verdades, o ser está sendo humilde.

Enfim, é apenas adquirindo uma posição de constante questionamento com as próprias ideias que o ser pode tornar sua inteligência mais ampla e menos preconceituosa.

domingo, 23 de agosto de 2009

Da Razão


Foi através da Razão que o ser humano saiu das cavernas e chegou às cidades. Foi com ela também que o homem conseguiu se adaptar e alterar ao seu gosto tudo ao seu redor. Construiu casas para se abrigar da chuva e do sol, ergueu pontes para atravessar os rios, criou navios para cruzar os oceanos, desenvolveu naves espaciais para chegar à Lua.

Foi através da lógica que o homem aprendeu as várias noções da matemática, da física, da química... Ele pôde, então, conhecer um pouco o mundo onde mora. Portanto, o ser humano deve continuar usando o raciocínio para responder a outras enigmáticas perguntas, como "De onde viemos antes de nascer? Para onde vamos após a morte? Por que vivemos aqui?"

Se, ao estudar as Ciências Exatas, o homem pôde perceber as relações totalmente lógicas e perfeitas existentes na natureza, ele deve então sentir que não há como o Universo ter sido criado ao acaso. Deve haver Uma Consciência, Uma Razão infinita para que o Cosmo exista. A esta Consciência, a esta Razão convencionou-se chamar de "Deus".

As pessoas costumam se perguntar "o que é Deus", ou "como é Deus?". Acho que a humanidade ainda é muito primitiva para entender a resposta completa a essa pergunta. Penso que a única resposta a essas perguntas que humanidade já consegue entender é "Porque 2 + 2 = 4". A lógica da mais banal das aritméticas reflete-se no Todo Universal. O mundo é totalmente lógico, seja no macro ou no microcosmo.

"Por que existimos?". Ora! Por que a não-existência não existe! O que você seria se você não existisse? Você seria um "nada"? E o que você estaria fazendo neste exato momento se você fosse um "nada"? "Nada"?

Essa Razão Universal é tão Perfeita e tão Sábia que estamos muito longe de compreendê-la, embora possamos sentir o amor da Criação. Se pudermos conhecer a árvore através de seus frutos, observemos as estrelas e as constelações e estaremos vislumbrando Deus.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O presidente mendigo

Victor Silva era candidato à Presidência da República. Sua promessa de campanha era que, se eleito, moraria na rua até todos os sem-teto do Brasil terem um lar.
Óbvio, outros candidatos o acusavam de ser "populista". Óbvio, um colunista da revista Escute o comparou ao presidenciável Criancinha, que fizera greve de fome. Óbvio, outro autor de colunas, dessa vez de um jornal influente, disse que Victor era "uma piada pronta". Mas Silva conseguiu se eleger.
Ao chegar à Presidência, o "presidente mendigo" (como era chamado) começou a dormir na esquina dos Três Poderes. Não! Ele não desonrou a promessa que havia feito... Passou realmente a dormir no chão, na frente do Palácio ao qual, teoricamente, ele teria direito.
Aproveitava os jornais que sua assessoria de imprensa trazia para se cobrir, defendendo-se do frio que fazia à noite. Muitos diziam que era uma cena ridícula, afinal, onde já se viu uma reunião ministerial como aquela? "Presidente e ministros sentados no chão, cruzando as pernas como indiozinhos, mesmo havendo uma luxuosa sala de reunião bem perto dali? Ridículo!".
De tanto dormir ao relento, acabou desenvolvendo uma pneumonia. Quiseram levá-lo ao melhor hospital do país, em São Paulo. Mas o hospital (muito frequentado por políticos) era particular e ele não aceitou. Disse que, "por coerência", só deveria ser tratado em hospital público. O fato de ser Presidente da República não o fez passar na frente de nenhum outro enfermo. Disse que "gostaria de ser tratado como qualquer outro usuário do sistema público de saúde".
Resultado: morreu na fila do raio-X.
Moral da história (escreva aqui):_________________________________. (Se preferir, comente).

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Frases

O prazer que se rebela da razão cria o caos
As mentiras são armadilhas que criamos para nós mesmos
Se o amor é um brilho, seja o Sol
Querem te derrubar, mas a fé o ampara
Tu queres derrubar alguém, mas a fé o para
A madrugada apenas precede a alvorada
A tortura dará lugar ao amor
A violência é fraqueza de vontade
O xingamento é fraqueza de expressão
Quem argúi com xingamento não possui argumento
Suas atitudes são sementes cujos frutos colherás mais a frente
O medo distorce mentes
O amor aquece o coração

segunda-feira, 25 de maio de 2009

domingo, 3 de maio de 2009

Agora

Agora bilhões de pessoas vivem. O que cada uma está fazendo neste exato momento? Os que estão fazendo algo errado, o que de errado estão fazendo? Os que estão agindo exemplarmente, que ação digna estão praticando?

Que exemplos seguir? Os bons--é claro. Mas quais são os bons exemplos a serem seguidos Agora?

sexta-feira, 24 de abril de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

quinta-feira, 26 de março de 2009

sexta-feira, 13 de março de 2009

Cão

Cão, por que há no mundo pessoas dissimuladas?

Você com este olhar brincalhão e amistoso,

Parece bobo, inocente, atrapalhado, fanfarrão


Parece ser, mas bobo você não é, não.

Dentro deste jeito travesso e serelepe

Esconde um grande amigo, grande coração

Algumas pessoas deviam seguir seu exemplo

De fidelidade e companheirismo

É tão fácil ser zeloso e verdadeiro

Que, até no momento derradeiro,

Você balançou a cauda

E lambeu minha mão.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O Gigante (Segundo Capítulo)

Caro leitor, tenho de reconhecer: já passou da hora de dizer o nome do protagonista. Poderia guardar um pouco mais sua indentidade, porém seria prejudicial ao intendimento da história. O gigante que tu conheceste no primeiro capítulo cham-se Bleonor.

Tu deves agora estar intrigado--"Com tanto nome para se batizar um personagem, por que o autor deste conto escolheu 'Bleonor'?". Ainda não sei, pois não não conheço o pai do personagem, logo não tive a oportunidade de lhe fazer essa pergunta. Podes achar que estou zombando de tua cara, mas há personagens, como o pai de nosso protagonista, que surgem mais vagarosamente na cabeça de um escritor (no caso do pai de Bleonor, por exemplo, o personagem nascerá depois do filho, e, ainda assim, se não for abortado mentalmente).

Enfim... Nosso intrépido protagonista marchou durante horas, pensando, ainda, em como se tornara uma criatura de olhar tão alienado perante o mundo, quando decidiu fazer uma pausa para descansar. Andou vários quilômetros desde o local onde acordara, percorreu enormes distâncias, pulou algumas montanhas, rios, vales, precipícios--"Já é hora de descançar. Nada como um sonho revigorante para acordar com todas as energias recarregadas", pensou.

Bleonor caiu em sono profundo sem imaginar que seria novamente incomodado por seres nanicos. Sentiu seu corpo sendo arrastado. O atrito com o solo machucava sua pele e abria escoriações na face. Mais impaciente do que sempre (por que alguns dizem "mais impaciente do que nunca"?), abriu os olhos para saber o que estava acontecendo. Viu que haviam lhe posto uma coleira e algema, nos pés e mãos. Tentou, em vão, se libertar das amarras: feitores eram mestres na arte de imobilizar pessoas.

Esses indivíduos, também chamados de "capatazes", confeccionavam algemas e coleiras maiores do que eles próprios para prender gigantes e outros seres escravizados. Bleonor, através da coleira, era tracionado por uma tropa de feitores montados em cavalos prateados. Nosso protagonista foi levado ao Engenho do Estratagema onde chegou de manhãzinha e foi torturado pelos capatazes.

"Quis fugir, não quis?"--perguntava-lhe um dos nanicos--"Você sabia que era proibido fugir, mas resolveu bancar o 'rebelde', não foi? Agora sofra as consequências!" Sua pele ardia, não mais pelo atrito com o solo, e, sim, devido aos cortantes golpes de chicote dados pelos feitores.

O gigante foi torturado o dia todo. Ao chegar da noite colocaram-no na senzala, onde, não aguentando a fadiga e os ferimentos, dormiu o sono dos injustiçados.

Dormiu pouco: a febre provocadas por suas feridas o fez acordar mais cedo do que todos no Engenho do Estratagema. A escuridão noturna só era desafiada pela tímida luz solar refletida pela lua. Era na penumbra que via o capataz vigilante da senzala entregue a um suave cochilo. Era a meia-luz, ainda, que observava os outros gigantes, companheiros dele de cativeiro, estirados no chão e repousando depois de mais um cansativo dia de trabalho escravo. Meditando sobre a terrível condição dos grandalhões que lá se encontravam, presos a pesadas toras de madeira e prematuramente envelhecidos pelo ardoroso fulgor do sol, chorou. Sussurrando, recitou alguns trechos do poema Navio Negreiro, de Castro Alves:

"Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!"

Sabendo que poesia e choro não o libertaria, Bleonor tratou de arquitetar um plano de fuga do cárcere.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Truco!

Peguei o baralho. Olhando bem fundo nos olhos da "Rainha de Copas", cantei para ela:
"Se você pensa que meu coração é de papel..."

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Gigante

Banhavam-se na cachoeira os insanos diabretes. A montanha de onde caía a cachoeira não era uma montanha, e sim, um gigante. Tampouco a queda d'água era de água--era a saliva que jorrava da boca do letárgico gigante. Com suas barbas negras e olhos alienados, não parecia ter qualquer consciência de sua existência ou do mundo ao seu redor. Na verdade, não apenas "parecia"... Também pudera: perdera sua mente. De dentro de sua cabeça foi erguida uma torre de castelo medieval.

Era na "Torre dos Vícios", como a chamavam os anciões da aldeia, que os jovens se entregavam ao prazer. Ao prazer e à necessidade de anestesiar a dolorosa falta das próprias substências do prazer. As drogas que consumiam eram moedas de dois lados: se eram usadas para suportar a dor de viver naquele mundo de céu cinza, também coloriam o céu de rosa, mas por cada vez menos tempo. Passara o efeito do narcótico, voltava a se tornar cinzento o céu (como, na verdade, sempre esteve).

O piso da torre era coberto por lindos mármores azul-turquesa, vômitos e corpos decrépitos que riam sem motivo aparente. O teto coberto de desejo de liberdade e revolução. O ar cheirava à utopia. Utopia vinda do pó e, infelizmente, apenas com o pó surgia. Não havia nos jovens a coragem para gritar qualquer palavra de ordem contra as desigualdades do mundo sem a substância.

Um dia ocorreu um fato inesperado: o gigante abriu os olhos. Todo aquele barulho vindo da torre ecoava em sua cabeça e o fez acordar. A algazarra já era antiga, porém, por mais que demorasse, aquele ser enorme haveria um dia de despertar. Rugiu um terremoto de sua garganta e lentamente segurou a estaca dos vícios que lhe perfurava o crânio.

Fazendo um juramento a si mesmo de que nunca mais ficaria absorto daquele modo, suspendeu vagarosamente a torre onde se agitava trôpega a juventude. A maioria dos pequenos ficou apreensiva e aterrorizada temendo que a torre, como um castelo de cartas, desmoronasse.

Alguns gritavam, outros diziam que era a "bem-vinda chegada do apocalipse" que, segundo esses próprios, "iria tirar os pecados do mundo". Havia ainda os que nada diziam, pois suas bocas estavam muito ocupadas expelindo alimentos e suco gástrico.

O colosso, agora desperto, olhou fixamente para a torre em sua mão. Em seus olhos refletiam-se vultos medrosos espalhados pelo mármore. Olhou, então, o horizonte e jogou aquele obelisco que o dera tanta dor de cabeça o mais longe que pôde. Na verdade, jogaria. Desistiu de fazê-lo, mas por fim decidiu jogar todos os vultos na profundeza do abismo, apenas para desistir novamente.

--Não me vingarei de vocês, diminutas criaturas, não se apavorem.

Foi quando ele ouviu os rugidos dos diabretes que se banhavam em sua saliva, tão nanicos quantos os ébrios frequentadores da torre.

--Não estrague a festa, seu imbecil! Pelo seu próprio bem é melhor você não estragar nosso negócio!

Devido à diferença de tamanho, aqueles brados retumbantes soavam em seus ouvido como vozes de moscas, extremamente agudas.

--Não escutou o que eu disse, seu grande idiota?!

O enorme homem franziu a testa e continuou ouvindo desaforos dos traficantes.

--Está pensando que só porque é maior que a gente pode nos derrotar?

"Cão que late não morde", pensou o colossal ser. Por alguns instantes veio à sua mente a figura de um Pinscher latindo. "Às vezes penso que quem tem mais segurança sobre os próprios dons, poucas vezes abre a boca para listar suas habilidades. Quem teme ser execrado e humilhado, ao contrário, se faz de corajoso e forte constantemente. Esse comportamento que surge como um blefe torna-se rotina, parte da personalidade".

Cauteloso, o gigante pôs delicadamente a torre no solo, ordenando que os que estivessem lá, de lá saíssem. Na verdade, a ordem nem foi necessária, os jovens, alvoroçados, saíram de lá imediatamente. Os que foram pisoteados também, porém com certo atraso. O grandalhão, então, levantou o pé como se fosse esmagar os diabretes e toda a coragem desses últimos fugiu junto às suas pernas.

O gigante sorriu compadecidamente. "Pobres diabretes". E começou a andar para frente em trajetória reta.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Futebol e a Física

Galileu que me perdoe, mas estudar a Teoria Heliocêntrica antes da aula de Educação Física é uma tortura mental (provavelmente em uma masmorra ou em qualquer outro tipo de câmara escura). Tento me concentrar no que o professor fala, mas só consigo olhar o campo de futebol da escola através da janela da sala. É verdade! Aplico uma força de vontade X para acompanhar a explicação do professor, mas os pontos materiais de meus olhos (pupilas) são atraídos para o campo magnético do futebol... e que magnetismo o "esporte bretão" tem! Desculpem-me se não sou um bom exemplo de aluno, mas só dentro das quatro linhas brancas me sinto livre. Queria ter essa sensação também dentro da classe, mas me sinto em uma gaiola (que deve ser a do Faraday, se é que o nome dele se escreve assim...). Olho para o relógio da parede para calcular o "delta" t que ainda é necessário para começar a aula seguinte, mas ele parece estar de brincadeira comigo, como se demorasse apenas para rir da minha ansiedade. Quanto mais apressado fico, maior é a minha sensação de que o ponteiro dos segundos é um velho de bengalas marchando (você já teve essa impressão?). O docente nos apresenta Sir Isaac Newton, e eu nutro um desejo de apresentar ao professor Sir Ronaldinho Gaúcho. É enorme a gravidade da situação! Minha metade esforçada dirige a atenção ao quadro negro, mas a outra me sussura, infrasônicamente: "Futebol, futebol" e vivo momentaneamente como se Discipliana e Devaneio fizessem "um-dois" com minha cabeça:
É o sol que o é centro do universo, é o sol que brilha sobre a grama
É a trajetória do ponto material, é a trajetória da bola
"É pau, é pedra, é o fim do caminho..."
(Hã?)
Por que os cinco minutos antes da Educação Física demora muito mais do que os cinco minutos normais? Vai ver que foi tentando resolver essa pergunta que Einstein bolou a Teoria da Relatividade. Ai! Não posso nem pensar no verbo "bolar", que começo a mecher as pernas, "driblando" sentado.
Enfim... já está quase para acabar esta aula e, o melhor, começar a aula do "baba"!
Ué?! A diretora entrando na sala a essa hora? O que será que os muleques do fundão aprontaram? Bem, parece que nada, pois o semblante dela não está muito irritado... Ela vai dar um aviso....

Diretora:
--Olá, tudo bem com vocês, turma? Eu só vim aqui para avisar que o professor de Educação Física teve que faltar hoje e, por isso, o horário vago ficará sobre a responsabilidade da professora de Química.

Meu pensamento:
--Ai, que Cu! Digo.... que Cobre!


sábado, 24 de janeiro de 2009

10 Músicas Instrumentais 1

Uma das músicas instrumentais de que mais gosto foi composta por Edvard Grieg para a peça Peer Gynt, escrita por Henrik Ibsen. O nome da música é Amanhecer (Suite No 1). Desde a primeira audição fiquei com a sensação de ver a alvorada: os leões bocejando, a borboleta pousando em uma flor lilás, as copas das árvores revelando seu verde... tudo isso banhado pelos primeiros raios solares da manhã.



quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Dúvida

O caráter paradoxal do mundo vou percebendo aos poucos...
E vagarosamente vejo: tudo é contradição!
Serei eu são em mundo de loucos
Ou louco em mundo de sãos?

D.R.B.