domingo, 15 de agosto de 2010

Ninguém viu o que eu vi





"Evoquei as multidões que se agitaram e viveram nesses lugares: vi-as desfilar, diante do meu pensamento, com as paixões que as consumiram, com seus ódios, seus amores e suas ambições desvanecidas, com seus triunfos e reveses – fumaças dissipadas pelo sopro dos tempos. Vi os soberanos, chefes de impérios, tiranos ou heróis, cujos nomes foram celebrados pelos fastos da História, mas que o futuro esquecerá". (Léon Denis)¹

 
Ninguém viu o que eu vi...
Os que viram, não lembram mais;
Os que lembram, não estão aqui;


Ó, doce aurora das experiências!
Infância meiga, de paz e liberdade,
Teu alvo âmago da terna mocidade
É resquício de ignotas vivências!


Mesmo que só por intuição,
Vislumbro as ações do passado...
É o pretérito que se faz presente,
Mostrando-me o caminho andado


Quem eu era antes de ser quem sou?
Em minha antiga face, quem era eu?
Meus andrajos, quem os enterrou?
Meus olhos, quando a terra comeu?


E comeu.
E comeu...
E comeu...


Contemplei o espetáculo das revoluções
Vi o nascer e o morrer de cem gerações
Testemunhei a marcha dos belicistas,
A resistência dos pacifistas,
Ouvi o mutismo sepulcral...


Ninguém viu o que eu vi,
Os que viram, não lembram mais;
Os que lembram, não estão aqui;


Escutei um sábio falar de amor
Nosso mestre ensinava o perdão,
A caridade, ato prático da oração,
Congregava os espíritos fraternais


Mas nem tudo era belo e honesto...
Terríveis carnificinas na Antiguidade!
Mil corpos e uma legião de abutres...
E quantas estamentais iniquidades!


O sangue ungia o campo de batalha
E viúvas rezavam pelos seus mortos
A valentia usava uma rubra mortalha
Dos pós, renascíamos noutros corpos


Ah, mas como posso descrever se...
...Ninguém viu o que eu vi,
Os que viram, não lembram mais;
Os que lembram, não estão aqui?!


A repressão se camuflava de virtude
O honroso era taxado de "vergonha"
Pessoas mortas em fogueira medonha
Paradoxo da fé que assassina amiúde


Mas como ir ao Pai se não pela Paz?
Como fruir o Amor sem ter Fraternidade?
E como ser livre se não pela misericórdia?


Desejo a leveza do pólen,
Quero flutuar numa brisa,


Desejo o fulgor da chama,
Quero a rutilância ígnea,


Ser crepitação operativa!
Ser semente a semear!


Ainda não vi o que eles viram
O que eles viram, eu verei já


E verei.
E verei...
E verei...


Quando meu tempo chegar...


¹ Citação retirada da obra "Depois da Morte"