domingo, 20 de setembro de 2009

Sob Fogo

Eu estava prestes a ser queimado vivo em praça pública. Rodeado por uma multidão que praguejava contra mim e ansiava por minha morte, não havia o que fazer. Não podia mais fugir da sentença de morte a qual me condenaram. Minha angústia, porém, não era imaginar que em poucos segundos meu corpo seria corroído pelas chamas, ou que eu perderia a vida. O que mais me amargurava era imaginar que minha morte poderia ser em vão. "Será que um dia as pessoas vão descobrir que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas justamente o oposto?", pensava eu.

Eu era um cientista que, através de cálculos, descobri a dinâmica existente entre nosso planeta e sua estrela. Acontece que tal concepção contrariava o entendimento religioso da época, predominante no país em que nasci. Tenho de explicar: a religião de meu povo naquela época estava bastante maculada por espúrios interesses políticos. A boa fé das pessoas era deturpada por gananciosos líderes, que viam na religião uma forma de alcançar o poder político.

Só havia então um conjunto de atitudes que agradava Deus. Da mesma maneira, o Pai e o Universo só poderiam ser compreendidos de uma determinada forma. Quem tivesse um entendimento diferente da natureza do Mundo e de seu Criador estaria blasfemando. Era essa a justificativa utilizada por algumas pessoas influentes dentro da sociedade para perseguir e silenciar aqueles que desafiavam suas ordens. Perigosas são as idéias que não admitem um ponto de vista contrário, elas se condenam ao fanatismo e ao mau uso dentro da política e da sociedade.

Como tantos outros na história do mundo, fui humilhado e morto por não concordar com leis e hipóteses vistas como "certas" pela maioria das pessoas. Se, de fato, não conseguiria mais fugir da pena capital, se seria inútil chorar (já que minhas lágrimas não diminuiriam minha condenação), o que me restava a fazer? Restava-me sorrir. Minha mente curiosa de cientista estava tão entusiasmada com a idéia da morte quanto uma criança fica ao entrar em um parque de diversões. Finalmente resolveria o maior mistério do mundo: o que ocorre após a vida?

No entanto, em poucos segundos, as chamas ardiam sobre minha pele. Eu sentia o calor do fogo e do ódio da multidão, que se alegrava com meus gemidos de dor. A sensação de ser queimado vivo na frente de tanta gente desejosa de minha morte me sufocava. O medo mórbido de ser visto por tanta gente me queimava o peito como se fosse a própria chama. Lágrimas desciam por minha face.

De repente veio a escuridão, o silêncio, o "destato" (não mais sentia a dor). Fui enlevado por um sentimento de alívio e de paz. E, como a Fênix, minha alma brotou das cinzas e subiu ao céu.


 

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Da Sagacidade

A característica mais importante das ciências é sua autocrítica. Para ela não há dogmas. Todo o conhecimento pode ser questionado, debatido, refutado ou confirmado. Existe liberdade para divergências. E é justamente por este fato que ela obteve tanto sucesso como ferramenta de estudo e compreensão do mundo.

A fé é importante, mas ela deve ser confirmada pela razão, o conhecimento. Assim como ocorre com as ciências, a crença deve abrir espaço para argumentos discordantes. A fé não se pode fechar em si mesma. Claro que ela não pode deixar de acreditar em si própria totalmente (caso contrário deixaria de existir), mas deve ser cética consigo mesma. Caso contrário estará se condenando ao fanatismo.

É sempre necessário reservar certa porção de descrença sobre o próprio pensamento. Tal atitude não denota insegurança, apenas atesta que a consciência do indivíduo é aguçada. As certezas absolutas são, talvez, as maiores assassinas da História.

Não deixa de ser um método de convencimento aquele utilizado em dissertações, no qual demonstrações de incerteza ("talvez", "possivelmente", "eu acho") são excluídas do texto. A persuasão preconiza o uso de verve semelhante à de quem não tem dúvida acerca do fato sobre o qual argui. Mas tal confiança inabalável sobre as próprias idéias deve ser reservada apenas à retórica. Ao duvidar do próprio pensamento, ao questionar as próprias verdades, o ser está sendo humilde.

Enfim, é apenas adquirindo uma posição de constante questionamento com as próprias ideias que o ser pode tornar sua inteligência mais ampla e menos preconceituosa.