terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O Gigante (Segundo Capítulo)

Caro leitor, tenho de reconhecer: já passou da hora de dizer o nome do protagonista. Poderia guardar um pouco mais sua indentidade, porém seria prejudicial ao intendimento da história. O gigante que tu conheceste no primeiro capítulo cham-se Bleonor.

Tu deves agora estar intrigado--"Com tanto nome para se batizar um personagem, por que o autor deste conto escolheu 'Bleonor'?". Ainda não sei, pois não não conheço o pai do personagem, logo não tive a oportunidade de lhe fazer essa pergunta. Podes achar que estou zombando de tua cara, mas há personagens, como o pai de nosso protagonista, que surgem mais vagarosamente na cabeça de um escritor (no caso do pai de Bleonor, por exemplo, o personagem nascerá depois do filho, e, ainda assim, se não for abortado mentalmente).

Enfim... Nosso intrépido protagonista marchou durante horas, pensando, ainda, em como se tornara uma criatura de olhar tão alienado perante o mundo, quando decidiu fazer uma pausa para descansar. Andou vários quilômetros desde o local onde acordara, percorreu enormes distâncias, pulou algumas montanhas, rios, vales, precipícios--"Já é hora de descançar. Nada como um sonho revigorante para acordar com todas as energias recarregadas", pensou.

Bleonor caiu em sono profundo sem imaginar que seria novamente incomodado por seres nanicos. Sentiu seu corpo sendo arrastado. O atrito com o solo machucava sua pele e abria escoriações na face. Mais impaciente do que sempre (por que alguns dizem "mais impaciente do que nunca"?), abriu os olhos para saber o que estava acontecendo. Viu que haviam lhe posto uma coleira e algema, nos pés e mãos. Tentou, em vão, se libertar das amarras: feitores eram mestres na arte de imobilizar pessoas.

Esses indivíduos, também chamados de "capatazes", confeccionavam algemas e coleiras maiores do que eles próprios para prender gigantes e outros seres escravizados. Bleonor, através da coleira, era tracionado por uma tropa de feitores montados em cavalos prateados. Nosso protagonista foi levado ao Engenho do Estratagema onde chegou de manhãzinha e foi torturado pelos capatazes.

"Quis fugir, não quis?"--perguntava-lhe um dos nanicos--"Você sabia que era proibido fugir, mas resolveu bancar o 'rebelde', não foi? Agora sofra as consequências!" Sua pele ardia, não mais pelo atrito com o solo, e, sim, devido aos cortantes golpes de chicote dados pelos feitores.

O gigante foi torturado o dia todo. Ao chegar da noite colocaram-no na senzala, onde, não aguentando a fadiga e os ferimentos, dormiu o sono dos injustiçados.

Dormiu pouco: a febre provocadas por suas feridas o fez acordar mais cedo do que todos no Engenho do Estratagema. A escuridão noturna só era desafiada pela tímida luz solar refletida pela lua. Era na penumbra que via o capataz vigilante da senzala entregue a um suave cochilo. Era a meia-luz, ainda, que observava os outros gigantes, companheiros dele de cativeiro, estirados no chão e repousando depois de mais um cansativo dia de trabalho escravo. Meditando sobre a terrível condição dos grandalhões que lá se encontravam, presos a pesadas toras de madeira e prematuramente envelhecidos pelo ardoroso fulgor do sol, chorou. Sussurrando, recitou alguns trechos do poema Navio Negreiro, de Castro Alves:

"Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!"

Sabendo que poesia e choro não o libertaria, Bleonor tratou de arquitetar um plano de fuga do cárcere.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Truco!

Peguei o baralho. Olhando bem fundo nos olhos da "Rainha de Copas", cantei para ela:
"Se você pensa que meu coração é de papel..."

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Gigante

Banhavam-se na cachoeira os insanos diabretes. A montanha de onde caía a cachoeira não era uma montanha, e sim, um gigante. Tampouco a queda d'água era de água--era a saliva que jorrava da boca do letárgico gigante. Com suas barbas negras e olhos alienados, não parecia ter qualquer consciência de sua existência ou do mundo ao seu redor. Na verdade, não apenas "parecia"... Também pudera: perdera sua mente. De dentro de sua cabeça foi erguida uma torre de castelo medieval.

Era na "Torre dos Vícios", como a chamavam os anciões da aldeia, que os jovens se entregavam ao prazer. Ao prazer e à necessidade de anestesiar a dolorosa falta das próprias substências do prazer. As drogas que consumiam eram moedas de dois lados: se eram usadas para suportar a dor de viver naquele mundo de céu cinza, também coloriam o céu de rosa, mas por cada vez menos tempo. Passara o efeito do narcótico, voltava a se tornar cinzento o céu (como, na verdade, sempre esteve).

O piso da torre era coberto por lindos mármores azul-turquesa, vômitos e corpos decrépitos que riam sem motivo aparente. O teto coberto de desejo de liberdade e revolução. O ar cheirava à utopia. Utopia vinda do pó e, infelizmente, apenas com o pó surgia. Não havia nos jovens a coragem para gritar qualquer palavra de ordem contra as desigualdades do mundo sem a substância.

Um dia ocorreu um fato inesperado: o gigante abriu os olhos. Todo aquele barulho vindo da torre ecoava em sua cabeça e o fez acordar. A algazarra já era antiga, porém, por mais que demorasse, aquele ser enorme haveria um dia de despertar. Rugiu um terremoto de sua garganta e lentamente segurou a estaca dos vícios que lhe perfurava o crânio.

Fazendo um juramento a si mesmo de que nunca mais ficaria absorto daquele modo, suspendeu vagarosamente a torre onde se agitava trôpega a juventude. A maioria dos pequenos ficou apreensiva e aterrorizada temendo que a torre, como um castelo de cartas, desmoronasse.

Alguns gritavam, outros diziam que era a "bem-vinda chegada do apocalipse" que, segundo esses próprios, "iria tirar os pecados do mundo". Havia ainda os que nada diziam, pois suas bocas estavam muito ocupadas expelindo alimentos e suco gástrico.

O colosso, agora desperto, olhou fixamente para a torre em sua mão. Em seus olhos refletiam-se vultos medrosos espalhados pelo mármore. Olhou, então, o horizonte e jogou aquele obelisco que o dera tanta dor de cabeça o mais longe que pôde. Na verdade, jogaria. Desistiu de fazê-lo, mas por fim decidiu jogar todos os vultos na profundeza do abismo, apenas para desistir novamente.

--Não me vingarei de vocês, diminutas criaturas, não se apavorem.

Foi quando ele ouviu os rugidos dos diabretes que se banhavam em sua saliva, tão nanicos quantos os ébrios frequentadores da torre.

--Não estrague a festa, seu imbecil! Pelo seu próprio bem é melhor você não estragar nosso negócio!

Devido à diferença de tamanho, aqueles brados retumbantes soavam em seus ouvido como vozes de moscas, extremamente agudas.

--Não escutou o que eu disse, seu grande idiota?!

O enorme homem franziu a testa e continuou ouvindo desaforos dos traficantes.

--Está pensando que só porque é maior que a gente pode nos derrotar?

"Cão que late não morde", pensou o colossal ser. Por alguns instantes veio à sua mente a figura de um Pinscher latindo. "Às vezes penso que quem tem mais segurança sobre os próprios dons, poucas vezes abre a boca para listar suas habilidades. Quem teme ser execrado e humilhado, ao contrário, se faz de corajoso e forte constantemente. Esse comportamento que surge como um blefe torna-se rotina, parte da personalidade".

Cauteloso, o gigante pôs delicadamente a torre no solo, ordenando que os que estivessem lá, de lá saíssem. Na verdade, a ordem nem foi necessária, os jovens, alvoroçados, saíram de lá imediatamente. Os que foram pisoteados também, porém com certo atraso. O grandalhão, então, levantou o pé como se fosse esmagar os diabretes e toda a coragem desses últimos fugiu junto às suas pernas.

O gigante sorriu compadecidamente. "Pobres diabretes". E começou a andar para frente em trajetória reta.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Futebol e a Física

Galileu que me perdoe, mas estudar a Teoria Heliocêntrica antes da aula de Educação Física é uma tortura mental (provavelmente em uma masmorra ou em qualquer outro tipo de câmara escura). Tento me concentrar no que o professor fala, mas só consigo olhar o campo de futebol da escola através da janela da sala. É verdade! Aplico uma força de vontade X para acompanhar a explicação do professor, mas os pontos materiais de meus olhos (pupilas) são atraídos para o campo magnético do futebol... e que magnetismo o "esporte bretão" tem! Desculpem-me se não sou um bom exemplo de aluno, mas só dentro das quatro linhas brancas me sinto livre. Queria ter essa sensação também dentro da classe, mas me sinto em uma gaiola (que deve ser a do Faraday, se é que o nome dele se escreve assim...). Olho para o relógio da parede para calcular o "delta" t que ainda é necessário para começar a aula seguinte, mas ele parece estar de brincadeira comigo, como se demorasse apenas para rir da minha ansiedade. Quanto mais apressado fico, maior é a minha sensação de que o ponteiro dos segundos é um velho de bengalas marchando (você já teve essa impressão?). O docente nos apresenta Sir Isaac Newton, e eu nutro um desejo de apresentar ao professor Sir Ronaldinho Gaúcho. É enorme a gravidade da situação! Minha metade esforçada dirige a atenção ao quadro negro, mas a outra me sussura, infrasônicamente: "Futebol, futebol" e vivo momentaneamente como se Discipliana e Devaneio fizessem "um-dois" com minha cabeça:
É o sol que o é centro do universo, é o sol que brilha sobre a grama
É a trajetória do ponto material, é a trajetória da bola
"É pau, é pedra, é o fim do caminho..."
(Hã?)
Por que os cinco minutos antes da Educação Física demora muito mais do que os cinco minutos normais? Vai ver que foi tentando resolver essa pergunta que Einstein bolou a Teoria da Relatividade. Ai! Não posso nem pensar no verbo "bolar", que começo a mecher as pernas, "driblando" sentado.
Enfim... já está quase para acabar esta aula e, o melhor, começar a aula do "baba"!
Ué?! A diretora entrando na sala a essa hora? O que será que os muleques do fundão aprontaram? Bem, parece que nada, pois o semblante dela não está muito irritado... Ela vai dar um aviso....

Diretora:
--Olá, tudo bem com vocês, turma? Eu só vim aqui para avisar que o professor de Educação Física teve que faltar hoje e, por isso, o horário vago ficará sobre a responsabilidade da professora de Química.

Meu pensamento:
--Ai, que Cu! Digo.... que Cobre!