I – A TARDE
Vaga, como se sonolenta,
A tarde cai no breu noturno
Vazia, dispersa e lenta
Vede: o arrebol ainda ostenta
Os derradeiros matizes do dia
N'alma, o mormaço da melancolia
Tépida e silentemente adentra
É tarde, e o breu famulento
Coloniza a abóboda celeste
Talvez ao homem ainda reste
Contemplar o estrelado firmamento
É tarde, homem. A tarde se foi...
Cedo se foi...
E com ela foi-se o tempo
Melancólico... modorrento....
II – A NOITE
A brisa da noite que, suave, acalenta,
Também desperta com gélido assobio
O homem,
Que, ao sentir frio,
Ficar sereno ao sereno não aguenta
É chegada a noite, agitada, fremente
O coração se enche de alegria,
O homem quer a fria noite quente
Quer a gandaia, a farra, a boemia
Sob o negro céu, da festa a ardentia,
Sob o breu da noite, a agitação
O homem se afoga em devassidão
E, ébrio, se esbalda em glutonia
As horas passam prestas
As cenas correm vertiginosamente
Em meio à agitada multidão
Depois vertigem,
Depois vertigem somente...
Vertigem e lassidão
III – A ALVORADA
Nos estertores da madrugada
No limiar de um novo dia
A percepção, de prazeres embotada,
Mal reage à matutina sinfonia...
...O galo canta, também canta a cotovia,
O peru gorjeia, a natureza assobia,
O sol incide sobre os olhos ébrios
A ressaca pesa na manhã luzidia...
IV –O DIA
É hora de refazer-se,
É tempo de recomeçar,
De dar à vida algum sentido a mais,
Além dos previamente embotados
Pelos excessos materiais
Não mais as tépidas bacantes
Não mais os ébrios comensais
Não mais substâncias ofuscantes
Não mais o vão prazer, não mais!
Já não há tempo para melancolia
Já não há, para a improfícua alegria,
É passado o passado embotamento
Agora é a cal, a argamassa e o cimento
É hora de erguer um monumento,
Dia de edificar um palácio interior,
E o único que dá sentido à vida
É o edificante ninho do amor
Onde reside o objetivo da vida
Onde mora seu real esplendor