quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Gigante

Banhavam-se na cachoeira os insanos diabretes. A montanha de onde caía a cachoeira não era uma montanha, e sim, um gigante. Tampouco a queda d'água era de água--era a saliva que jorrava da boca do letárgico gigante. Com suas barbas negras e olhos alienados, não parecia ter qualquer consciência de sua existência ou do mundo ao seu redor. Na verdade, não apenas "parecia"... Também pudera: perdera sua mente. De dentro de sua cabeça foi erguida uma torre de castelo medieval.

Era na "Torre dos Vícios", como a chamavam os anciões da aldeia, que os jovens se entregavam ao prazer. Ao prazer e à necessidade de anestesiar a dolorosa falta das próprias substências do prazer. As drogas que consumiam eram moedas de dois lados: se eram usadas para suportar a dor de viver naquele mundo de céu cinza, também coloriam o céu de rosa, mas por cada vez menos tempo. Passara o efeito do narcótico, voltava a se tornar cinzento o céu (como, na verdade, sempre esteve).

O piso da torre era coberto por lindos mármores azul-turquesa, vômitos e corpos decrépitos que riam sem motivo aparente. O teto coberto de desejo de liberdade e revolução. O ar cheirava à utopia. Utopia vinda do pó e, infelizmente, apenas com o pó surgia. Não havia nos jovens a coragem para gritar qualquer palavra de ordem contra as desigualdades do mundo sem a substância.

Um dia ocorreu um fato inesperado: o gigante abriu os olhos. Todo aquele barulho vindo da torre ecoava em sua cabeça e o fez acordar. A algazarra já era antiga, porém, por mais que demorasse, aquele ser enorme haveria um dia de despertar. Rugiu um terremoto de sua garganta e lentamente segurou a estaca dos vícios que lhe perfurava o crânio.

Fazendo um juramento a si mesmo de que nunca mais ficaria absorto daquele modo, suspendeu vagarosamente a torre onde se agitava trôpega a juventude. A maioria dos pequenos ficou apreensiva e aterrorizada temendo que a torre, como um castelo de cartas, desmoronasse.

Alguns gritavam, outros diziam que era a "bem-vinda chegada do apocalipse" que, segundo esses próprios, "iria tirar os pecados do mundo". Havia ainda os que nada diziam, pois suas bocas estavam muito ocupadas expelindo alimentos e suco gástrico.

O colosso, agora desperto, olhou fixamente para a torre em sua mão. Em seus olhos refletiam-se vultos medrosos espalhados pelo mármore. Olhou, então, o horizonte e jogou aquele obelisco que o dera tanta dor de cabeça o mais longe que pôde. Na verdade, jogaria. Desistiu de fazê-lo, mas por fim decidiu jogar todos os vultos na profundeza do abismo, apenas para desistir novamente.

--Não me vingarei de vocês, diminutas criaturas, não se apavorem.

Foi quando ele ouviu os rugidos dos diabretes que se banhavam em sua saliva, tão nanicos quantos os ébrios frequentadores da torre.

--Não estrague a festa, seu imbecil! Pelo seu próprio bem é melhor você não estragar nosso negócio!

Devido à diferença de tamanho, aqueles brados retumbantes soavam em seus ouvido como vozes de moscas, extremamente agudas.

--Não escutou o que eu disse, seu grande idiota?!

O enorme homem franziu a testa e continuou ouvindo desaforos dos traficantes.

--Está pensando que só porque é maior que a gente pode nos derrotar?

"Cão que late não morde", pensou o colossal ser. Por alguns instantes veio à sua mente a figura de um Pinscher latindo. "Às vezes penso que quem tem mais segurança sobre os próprios dons, poucas vezes abre a boca para listar suas habilidades. Quem teme ser execrado e humilhado, ao contrário, se faz de corajoso e forte constantemente. Esse comportamento que surge como um blefe torna-se rotina, parte da personalidade".

Cauteloso, o gigante pôs delicadamente a torre no solo, ordenando que os que estivessem lá, de lá saíssem. Na verdade, a ordem nem foi necessária, os jovens, alvoroçados, saíram de lá imediatamente. Os que foram pisoteados também, porém com certo atraso. O grandalhão, então, levantou o pé como se fosse esmagar os diabretes e toda a coragem desses últimos fugiu junto às suas pernas.

O gigante sorriu compadecidamente. "Pobres diabretes". E começou a andar para frente em trajetória reta.

Um comentário:

Italo Romeiro disse...

white man
difuder vei...
criativo p caramba....
abrass david man