sábado, 8 de outubro de 2011

Acima da neblina da vida


I

Acima da neblina da vida,
Onde o desgosto não alcança,
Luzes celestes pintam os horizontes
Estrelas fulguram atrás dos montes
Centelhas acalmam a noite

De onde vem esse lume
Que acalenta o ser e adoça o azedume?
Que mostra uma neblina...
...Névoa de perfume, só de perfume
De onde vem?

Humanos, acima de vossa fronte,
Sobre vossas cabeças e dores,
Além das sinas e cismas,
As estrelas brilham singulares,
Luz da fé, dos universais altares,
Mundos delicados, criaturas ditosas
Voam vertiginosamente
Pela multidão de nebulosas

Humanos, irmãos muito amados!
O mundo não é vossa caverna
Nem os ares são vossas neblinas
Nas imensidões universais
As cachoeiras de estrelas cadentes
São fontes amigas, cristalinas!

Cá na terra, onde a dor dói,
Onde o erro erra,
Aqui, em pequena, diminuta esfera,
Humanos errados, errantes, erráticos,
Em transe, em êxtase, lunáticos,
Doidos, alienados e ensimesmados,
Não vêem, de distraídos que estão,
As silentes belezas dos céus,
As tácitas glórias da natureza,

Quando o sol abrasa a terra,
Quando a seca abre feridas no solo
O cacto – sereno – continua ereto
Desconhecendo se é errado ou se é certo
O lancinante abafamento ao seu redor

II
A gota despenca dos precipícios,
E temendo seus maus auspícios
Cai na mais singela e mirrada fonte
Estão, então, em uma miudeza de dar dó
Com tão fraca e vazia quantia d’água,
Mesmo sendo uma gota entre outras gotas,
Esta pessimista gota se sente só...
Mas eis que ela está no berçário do rio,
Onde o rio nasce, em sua cabeceira,

E, aos poucos, a gota entre as outras poucas gotas
Recebe mais gotas, e mais água e cada vez mais água,
Gotas formam então, entre as margens, uma estrada
E continuam avançando as fronteiras,
Que vagarosamente aprendem a desconhecer

Ficam fortes, formam vórtices, correntezas,
Sofrem com as pedras do leito e suas asperezas,
Prosseguem sem cessar a marcha gloriosa
Quanto mais fronteiras ignoram,
Mais avançam, mais altivas ficam,

Mais largo o rio, maior distância entre as margens,
Gotas aprendem a sorrir, apreciam as folhagens
Que em vão tentam lhes obstar o caminho
As gotas sabem que têm um caminho a seguir
Não sabem ao certo para onde vão
Mas confiam na arquitetura da Natureza
E avançam, e progridem e não cansam,
Quando exaustas sabem que outras gotas estão
Ao seu derredor e que lhes ajudarão,
Uma gota empurra a companheira fatigada
Pois de fraternidade se faz um aluvião

As gotas celestes caem em forma de chuva
Para estimular as gotas que agora deslizam
Eis que, quando o rio é uma multidão d’água,
Quando já é longa e larga a líquida estrada,
O rio deságua no mar, onde outros rios deságuam
Eis o oceano, onde todas as águas do mundo se amam,
Onde nem os maus presságios, nem as más sinas profanam
A alegria de comungar, a felicidade de compartilhar
O júbilo das águas de todas as mundiais baías,

Desfeitas dos próprios medos e idiossincrasias
Podem gozar o gozo de apenas existir
De apenas poder sentir, de ter tão-somente uma consciência,
Um pensamento...
Por mais que o pensar for nevoento,
Ele já é sinal de vida, e a vida é para ser celebrada

Por que a vida... A vida é uma líquida estrada,
Ela começa assustadora, no meio do nada,
E deságua no oceano, em júbilo e arrebatamento,
Por mais ásperas que sejam as pedras do caminho,
O pingo d’água não está sozinho,
A Natureza se encarregará de levá-lo,
Através da evaporação,
Ao canto mais luzidio do Firmamento!